quinta-feira, 23 de março de 2017

A Lei da Água Limpa versus A Água Limpa

A Lei da Água Limpa versus A Água Limpa
Tradução Jonathan S. Torres


Nós Anarquistas de Mercado provavelmente não temos escrito tanto sobre o meio ambiente quanto deveríamos. Mas não por não termos nada a dizer sobre isso. Quando nós de fato tratamos de assuntos ambientais em específico, uma das coisas com as quais eu penso que os anarquistas de mercado realmente têm contribuído à discussão são alguns pontos chaves sobre como leis ambientais ex ante[1], destinadas a reduzir a poluição e outras formas de danos ambientais, fazem algumas reformas superficiais, mas às custas de criar um quadro legal para os grandes poluidores se /imunizarem/ contra a responsabilidade pelos danos que continuam a causar à saúde e aos lares das pessoas, ou aos recursos que elas usam no seu dia a dia. E, também, como o ambientalismo legislativo em geral tende a deslocar[2] os métodos de livre mercado para punir os poluidores e recompensar os modos de produção sustentáveis[3]. Para uma ilustração perfeita de como o ambientalismo legislativo está ativamente prejudicando ações ambientais, observe este breve item na seção de relatórios da edição de maio de 2010 do Atlantic. A estória é sobre o escoamento de resíduos tóxicos de minas no Colorado e descreve como leis estatais antipoluição estão evitando que pequenos grupos locais tomem medidas diretas e simples para conter a poluição letal que ocorre constantemente nos rios de suas comunidades. E também como grandes grupos ambientais nacionais estão fazendo lobby para garantir que os grupos ambientais menores e de base continuem sendo bloqueados pela polícia federal.

Próximo a Silverton, o problema se tornou ruim o suficiente para reanimar donos de terra, mineiros, ambientalistas e oficiais locais em um esforço voluntário para resolver a questão da drenagem... com alguns consertos relativamente simples e baratos, tais como tampões de concreto para portais de minas e zonas húmidas artificiais que absorvem resíduos das minas, os voluntários de Silverton dizem que poderiam reduzir ainda mais a quantidade de drenagem de minas ácidas que flui para rios locais. “Em alguns casos, seria bastante simples ir até lá com uma pá e redirecionar a água”, diz William Simon, ex-professor de ecologia de Berkeley, que passou a maior parte dos últimos 15 anos liderando projetos de limpeza.
Mas quando esses voluntários se preparam para atacar a principal fonte da poluição, as próprias minas, eles enfrentam um obstáculo inesperado - a Lei da Água Limpa[4]. Sob a lei federal, qualquer pessoa que deseje limpar a água que flui de uma mina de rocha dura deve fazê-lo de acordo com os rigorosos padrões de qualidade da água previstos pela lei e assumir a responsabilidade de conter a poluição - para sempre. Aspirantes a benfeitores tornam-se os “operadores” legais de minas abandonadas como aquelas próximas a Silverton e, portanto, responsáveis por sua condição.[5]

       Sob qualquer coisa que se assemelhe a princípios de justiça, as pessoas deveriam ser responsabilizadas pelos danos que causam, não pelos problemas que permanecem depois que elas tentam reparar os danos causados por outra pessoa, que agora há muito já se foram. Mas o problema básico com a Lei da Água Limpa, assim como todas regulamentações ambientais estatistas, é que não se trata sobre padrões de justiça; mas sobre o cumprimento de padrões regulatórios e, do ponto de vista de um regulador ambiental, o importante é (1) que o governo seja capaz de destacar alguém ou algum grupo para classificar como As Pessoas Encarregadas pelo local; e (2) quem quer que seja rotulado como “encarregado” pelo local, portanto, é colocado contra a parede para que cumpra com os padrões pré-determinados ou enfrente as penalidades pré-determinadas, não importando quais sejam os fatos do caso em particular e não importando o fato que eles não fizeram nada para causar o dano existente.[6]
       A resposta óbvia a isto deveria ser a revogação da cláusula da Lei da Água Limpa que cria esta condição insana, e deixar as pessoas que participam da comunidade livres para tomar medidas positivas. Infelizmente, o melhor em que os legisladores do governo conseguem pensar é em aprovar uma nova lei para legalizar isso - isto é, criar outra maldita "licença" burocrática, de modo que, em vez disso, os grupos comunitários com baixo orçamento gastem todo seu tempo preenchendo papelada para relatar à EPA[7]. Enquanto isso, com o Estado do Debate sendo o que é, até mesmo esta solução fraca e hiper-burocrática está sendo combatida pelas forças do lobby de vários grupos ambientais nacionais:

Em meados de outubro, o senador Mark Udall do Colorado apresentou um projeto de lei que permitiria a tais “bons samaritanos” obterem, sob a Lei da Água Limpa, licenças especiais para limpar minas que as protegeriam de alguma responsabilidade. Os antigos projetos de lei para bons samaritanos encontraram oposição de organizações ambientais nacionais, incluindo o Sierra Club, o Natural Resources Defense Council e até mesmo a American Bird Conservancy, para quem qualquer enfraquecimento dos padrões da Lei da Água Limpa é um anátema. Embora o projeto de lei de Udall seja mais restrito do que as propostas passadas, alguns grupos ambientais ainda dizem que o problema da mina abandonada deveria ser resolvido com regulação adicional da indústria de mineração e com mais dinheiro federal para projetos de limpeza. “Se você apoia a limpeza do meio ambiente, por que você apoiaria a limpeza pela metade?", pergunta Natalie Roy, diretora executiva da Clean Water Network, uma coalizão de mais de 1250 grupos ambientais e outros grupos de interesse público. "Isso não faz sentido."[8]

       Tudo isso ilustra perfeitamente dois dos pontos que eu quero tentar fazer sobre Anarquia e praticidade. Estatistas constantemente nos dizem que, por mais legal e encantada que a teoria anarquista seja, temos que lidar com o mundo real. Mas, no mundo real, se afundar no lamaçal da política eleitoral constantemente faz com que os grupos de lobby progressistas fiquem presos em lutas ridículas que elevam detalhes procedurais e vitórias puramente simbólicas acima do sucesso prático dos objetivos aos quais a politicagem supostamente deveria servir – para o inferno com a água limpa em Silverton, Colorado, quando há uma Lei Federal da Água Limpa a ser salva! E, em segundo lugar, como a política governamental sistematicamente destrói qualquer oportunidade de progresso marginal – onde a ação direta positiva por parte das pessoas na comunidade poderia salvar um rio das toxinas letais amanhã, se o governo ao menos tirasse as armas da cara delas. A ação governamental leva anos para se aprovar, anos para se implementar e nunca resolve nada até que seja capaz de resolver tudo. Assim, a Diretora Executiva Natalie Roy, em nome de Mais De 1250 Grupos Ambientais e De Outros Interesses Públicos, está explicitamente perplexa com a noção de que as pessoas que vivem próximas a esses rios podem não ter tempo para aguentar até o golpe decisivo para se ganhar algum embate de tudo ou nada na legislatura nacional.
As perspectivas de curto prazo do projeto de lei de legalização indeciso de Udall não parecem boas. A conclusão do Atlantic é desespero:

Os voluntários de Silverton não esperam por uma herança inesperada do governo federal em breve – mesmo as minas designadas pelo Superfundo têm aguardado anos por financiamento para limpeza, e o projeto de lei de Udall tem sido mantido num comitê do Senado desde o último outono. Sem uma estipulação para bons samaritanos para lhes proteger da responsabilidade, eles têm poucas escolhas além de assistir a Red e Bonita e o resto de suas minas locais continuarem a drenar.[9]
       
Mas eu acho que, se você perceber que o problema é inerente, estruturalmente, à política eleitoral, a resposta não precisa ser desespero. Ela pode ser motivação. Em vez de ficarem sentados observando seus rios morrerem e esperando que o senador Mark Udall do Colorado aprove um projeto de lei para legalizar sua ação direta, o que eu sugeriria é que os grupos ambientais locais no Colorado parassem de se importar tanto com o que é legal e o que não é, e considerassem algumas alternativas contra-econômicas e de ação direta à política governamental e realizassem alguns Serviços Públicos de Guerrilha.
Quer dizer, olha, se há lugares onde seria mais simples ir até lá com uma pá e redirecionar a água, então espere até a noite cair, pegue uma pá e vá até lá. Leve uma lanterna. E uns alicates para cortar correntes e cadeados, caso você precise. Tampões de cimento sem dúvida levam mais tempo, mas você se surpreenderia com o que uma equipe dedicada poderia fazer em poucas horas ou em algumas noites. Se fizer isso você mesmo, sem se identificar e sem pedir por permissão, a EPA não precisa ficar sabendo sobre isso e a Lei da Água Limpa nada pode fazer para puni-lo por sua limpeza “incompleta”.
Os rios do Colorado não precisam de partidos políticos, licenças ou Grupos de Interesse Público. O que eles precisam são de alguns bons e honestos foras-da-lei e de algum empreendedorismo de Mercado Verde-e-Negro.

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[1] Nota do tradutor (NT): Leis que antecedem eventos, associadas em geral com política e bem-estar, atreladas a uma visão consequencialista na filosofia da moral e da ética.
[2] NT: Tradução livre de “crowd out”. “O Efeito de Crowding Out (em português, Efeito de Deslocamento ou de Evicção) corresponde a uma redução no investimento e de outras componentes da despesa agregada sensíveis às taxas de juro, sempre que o Estado aumenta a despesa pública. ” Disponível em: <http://knoow.net/cienceconempr/economia/ crowding-out-efeito-de/>, acesso no dia 21/02/2017. Acessado em 23 mar. 2017.
[3]Ver, por exemplo, Kevin A. Carson, “Monbiot: One Step Back”, Mutualist Blog: Free Market Anticapitalism (n.p., 1 jan. 2006), disponível em:  <http://mutualist.blogspot.com/2006/01/ monbiot-one-step-back.html>, acessado em: 13 mar. 2011; Kevin A. Carson, “Fred Foldvary on Green Taxes”, Mutualist Blog: Free Market Anticapitalism (n.p., 22 fev. 2005), disponível em:  <http://mutualist.blogspot.com/2005/02/fred-foldvary-on-green-taxes.html>, acessado em: 13 mar. 2011; Charles W. Johnson, “Left-Libertarian Engagement”, Rad Geek People’s Daily (n.p., Nov. 25, 2008), disponível em: <http://www.radgeek.com/gt/2008/11/25/ leftlibertarian_engagement>, acessado em: 13 mar. 2011.
[4] NT: “Clean Water Act”, no original.
[5] Michelle Nijhuis, “Shafted”, The Atlantic (Atlantic Media Co., mai. 2010), disponível em: <http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2010/05/shafted/8025>, acessado em: 13 mar. 2011.
[6] Uma regulamentação ex ante, por definição, não se trata de olhar para casos particulares e nem se trata de olhar para trás e averiguar quem causou o quê; se trata de identificar, licenciar, controlar e penalizar agentes de acordo com a situação atual. Isso soa progressista, prospectivo e prático, até você perceber que o efeito direto é garantir que ninguém que dá a mínima para a sua comunidade é capaz de se dar ao luxo de assumir a responsabilidade de lidar com o dano preexistente; todos os tipos de ação positiva extinguem-se e tudo que sobra são programas governamentais batidos e com problemas orçamentários, que podem se desenvolver porque o governo inventou a doutrina da imunidade soberana a fim de proteger suas próprias empresas de serem consideradas legalmente responsáveis por qualquer coisa.
[7] NT: “Environmental Protection Agency” ou “Agência de Proteção Ambiental” numa tradução livre.
[8] Nijhuis.

[9] Nijhuis.

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