quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Governança, Agência e Autonomia: Temas Anarquistas na Obra de Elinor Ostrom

INTRODUÇÃO



Este artigo é proposto como um em uma série, a ser lido em conjunto com meu anterior sobre James C. Scott, sobre pensadores anarquistas e descentralistas cuja afeição pela particularidade de instituições locais e de escala humana ultrapassa quaisquer rótulos ideológicos doutrinários.


A Governança de Recursos de Reserva Comum. Ostrom começa observando o problema do esgotamento de recursos naturais, o que ela chama de "recursos de reserva comum" - e então passa a examinar três teorias principais largamente complementares ("conceitos intimamente relacionados") que tentam explicar "os muitos problemas que as pessoas enfrentam quando tentam alcançar benefícios coletivos": a "tragédia dos comuns" de Hardin, o dilema do prisioneiro, e a "lógica da ação coletiva" de Olson.


Infelizmente, estes modelos (ou este modelo) se ossificou em um dogma, servindo mais frequentemente como um substituto para o pensamento do que como um ponto de partida. Mais do que vinte anos após a obra seminal de Ostrom, ainda é comum afirmar como um truísmo - suportado apenas por uma alusão passageira a Hardin ou ao dilema do prisioneiro - que os usuários reais de recursos inevitavelmente os esgotarão na ausência de governança por parte de uma autoridade superior ou outra. Ostrom cita uma afirmação jovial, em um artigo sobre áreas de pesca na The Economist: "deixados à própria sorte, os pescadores vão explorar excessivamente os estoques .... [P]ara evitar o desastre, os gestores devem ter hegemonia efetiva sobre eles".


Esta última citação exemplifica perfeitamente a abordagem comum em relação à governança de recursos de reserva comum assumida por defensores tanto da regulamentação estatal quanto da privatização corporativa. O próprio Garrett Hardin, revisitando mais tarde seu artigo sobre a tragédia dos comuns, argumentou que o problema de esgotamento de recursos teria que ser abordado ou por "um sistema empresarial privado" (isto é, propriedade por parte de firmas empresariais com fins lucrativos) ou pelo "socialismo" (isto é, propriedade e regulamentação por parte do estado). (A suposição de que a "empresa privada" e o "socialismo" ambos exigem hierarquias administrativas de um tipo ou de outro e são incompatíveis com instituições horizontais e auto organizadas, diz muito sobre os valores internalizados do estrato intelectual.)


Ostrom passa a considerar o desempenho insatisfatório tanto do Estado quanto do mercado na resolução do problema.


Dever-se-ia notar imediatamente que a justaposição entre "propriedade comum" e "propriedade privada" apresentada pelos libertários capitalistas do mainstream é simplesmente tola. Nos casos em que parcelar um recurso comum pelos indivíduos é, pela natureza do caso, impossível, Ostrom diz, é-se duramente pressionado para entender exatamente o que se quer dizer com "privado". Campos abertos ou pastagens comuns podem ser divididas em lotes separados e distribuídas aos indivíduos; mas áreas de pesca? Recursos de reserva comum, pela natureza das coisas, devem ser possuídos e governados por algum tipo de instituição coletiva, quer se trate do Estado, de uma corporação ou de uma associação horizontal auto organizada dos próprios usuários.


A propriedade por parte de uma corporação com fins lucrativos não é mais "privada" do que (ou, se você preferir, tão "coletivista" quanto) a administração de bens comuns por parte de seus usuários. Na lei corporativa, a propriedade de uma firma é detida, e sua gerência empregada, por uma pessoa unitária criada sob os termos da licença corporativa. Nenhum acionista individual ou grupo de acionistas têm qualquer direito de propriedade sobre os ativos da firma ou autoridade sobre sua gerência.


Ambas as abordagens convencionais de "privatização" e "regulamentação estatal" equivalem, quando todas as ficções legais são tiradas fora, a substituir o julgamento dos usuários pelo de gestores trabalhando para alguma autoridade central absenteísta (talvez apenas em teoria, trabalhado, na verdade, por seus próprios interesses). Então poderíamos esperar que isso resultasse nos mesmos problemas de conhecimento e incentivo que sempre resultam de externalizar custos e benefícios, quando a propriedade e o controle estão divorciados do conhecimento direto da situação.


Por outro lado, poderíamos esperar que colocar o controle diretamente nas mãos daqueles com o conhecimento local Hayekiano de uma situação resulte em resultados bem preferíveis a qualquer uma das duas outras abordagens baseadas em verticalidade e controle absenteísta.

E as descobertas de Ostrom confirmam essa expectativa.