sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A antinomia mais ampla - II

A antinomia mais ampla - II

Eu acho que podemos postular com segurança duas categorias muito gerais de respostas a Proudhon: aquelas que assumem que seu trabalho, e particularmente seu trabalho sobre propriedade, foi mais completo do que consistente, e aquelas que insistem que ele foi mais consistente do que completo. De acordo com a primeira abordagem, a frase "propriedade é roubo", certas propostas na Teoria Geral da Revolução e a trajetória geral da Capacidade Política das Classes Trabalhadoras (ou alguma coleção aproximadamente similar) constituem o trabalho principal de Proudhon - estabelecendo a fundação do anarquismo social - e a tarefa crítica é superar todos os desvios e contradições que distraem e poderiam levar a outras estradas. A segunda abordagem foca no papel central das "contradições" no trabalho de Proudhon e tende prestar muitar atenção à recorrência de certos elementos desafiadores de seu pensamento ao longo de toda sua carreira, acumulando pontas soltas e repetições sugestivas, enquanto constantemente vasculha as obras por mais dados. Ambas as abordagens tem seus riscos associados, mas eu não acho que ninguém tem quaisquer ilusões sobre qual eu considero mais útil, em particular neste estágio de nossa redescoberta de Proudhon.

De algumas maneiras, claro, eu acho que a primeira abordagem está em uma séria desvantagem. Há simplesmente indicações demais na obra de Proudhon de que ele se considerava engajado em um constante trabalho-em-andamento, e, pelo menos no mundo de língua inglesa, a maioria de nós ainda está explorando, tentando determinar a medida de seus projetos - e é um negócio perigoso começar a aparar galhos quando você não sabe realmente bem para que tipo de árvore você está olhando.

Se você não está simplesmente começando com a suposição de que as coisas importantes no trabalho de Proudhon foram aquelas úteis para Bakunin e Kropotkin, algumas características gerais desse trabalho se tornam óbvias bem rapidamente - em grande parte porque elas apresentam problemas tão constantes e difíceis para o leitor. Proudhon estava envolvido em uma gama de tipos de análises, com basicamente todos eles sendo dependentes de algum tipo de jogo dialético entre elementos antagonísticos, contraditórios ou antinômicos. Nas discussões sobre a propriedade, encontramos algumas versões diferentes da narrativa semi-histórica/desenvolvimentista, na qual Proudhon postula "comunidade" e "propriedade" (1840) - ou "propriedade" e "comunismo" (1846), ou "feudo" e "alódio" (1861/5) - como "estágios" no desenvolvimento das normas de gestão de recursos. Encontramo-lo contrapondo "posse" e "propriedade" enquanto princípios, respectivamente, de "fato" e de "direito", ao passo que, em meio à mesma obra, também as descrevendo como, respectivamente, consistente com e contra o "direito". Encontramo-lo contrapondo formas individuais e coletivas de propriedade (em termos gerais), enquanto tratava qualquer forma de coletividade organizada digna do nome como também um indivíduo, descrevendo indivíduos como sempre já "grupos" ou "séries" e, em última análise, deixando claro que a propriedade que é "roubo" para o indivíduo humano também seria roubo para a mais inclusiva coletividade. A propriedade toma seu lugar em meio ao jogo de instituições centralizadoras e descentralizadoras. Ela é "roubo", "impossível" e "liberdade". E, claro, é um dos elementos daquela "síntese de comunidade e propriedade" que Proudhon acreditava que produziria a liberdade. Há, em sua maior parte, uma consistência complexa e que gradualmente se desenvolve em tudo isso, mas não há nada de fácil sobre seguir todas as linhas, particularmente já que elas tendem a levar em várias direções a partir de qualquer dado ponto no estudo de Proudhon.

As dificuldades de se mapear o projeto geral de Proudhon exigiram muitas repetições reais ou aparentes em meus próprios escritos sobre o assunto e muitas articulações isoladas de elementos selecionados, com, espero eu, algum progresso geral em mostrar como as várias partes da análise se encaixam. Mas muito do avanço que eu fiz foi alcançado ao colocar a obra de Proudhon em diálogo com os trabalhos de uma variedade de outras figuras - Max Stirner, John Locke, Pierre Leroux e todas as outras figuras que eu convoquei à margem do rio no experimento mental em forma dramática simulada que eu espero que seja útil como ponto de partida para reunir as várias análises parciais. O resultado foi, sem dúvida, um aumento útil em clareza localizada, no que dizia respeito a aspectos particulares das várias análises, mas provavelmente também um aumento razoavelmente intimidador na complexidade do projeto como um todo. Eu certamente não estive imune a uma certa sensação de afogamento, conforme a busca por clareza multiplicou perguntas tão rápido quanto respostas.

A luz no fim do longo túnel, para mim, foi uma forte senso de que, por trás das intimidadores e fascinantes complexidades das várias análises de Proudhon, existiam alguns princípios básicos ou, pelo menos, uma dinâmica básica que, uma vez identificada, poderia simplificar substancialmente o resto do trabalho, permitindo-nos conectar mais facilmente os vários tipos de análise nos escritos de Proudhon uns com os outros e com o trabalho desses outros teóricos que haviam entrado no jogo. (Ou no proverbial trem que se aproxima?)

Por algum tempo, eu estive focado naquela fórmula para a liberdade, "a síntese de comunidade e propriedade", e no relato de desenvolvimento - na seção sobre a "terceira forma de sociedade" de O Que É a Propriedade? - em que Proudhon a introduziu. Seguindo Proudhon, eu fui capaz de dizer muito sobre a "propriedade" e comparativamente pouco sobre a "comunidade" e estive tentando esclarecer os vários tipos de "propriedade" o suficiente para determinar exatamente o que este outro polo esquivo da dialética da liberdade realmente é. Há influências em Proudhon que tornam fácil acreditar que, no sentido mais abstrato, a antinomia mais geral à espreita por trás de contraposições como centralizador/descentralizador, propriedade/comunidade, lei/fato, etc. poderia estar relacionada ao "circulus" de Pierre Leroux ou o foco no livre fluxo das paixões em Charles Fourier. Mas a questão da influência é complicada na obra de Proudhon. Nas memórias sobre a propriedade, junto com seus ataques partidários a Leroux e aos seguidores de Fourier, encontramos esses dois endossos um tanto surpreendentes.

Os discípulos de Fourier há muito me pareceram os mais avançados de todos os socialistas modernos e quase os únicos dignos do nome. Se eles houvessem entendido a natureza de sua tarefa, falado ao povo, despertado suas simpatias e mantido o silêncio quando não entendiam; se eles houvessem criado pretensões menos extravagantes e tivessem demonstrado mais respeito para inteligência pública, - talvez a reforma agora estivesse, graças a eles, em andamento. - O Que É a Propriedade?

Eu devo aqui declarar livremente - a fim de que eu não possa ser suspeito de conivência secreta, o que é alheio à minha natureza - que M. Leroux tem minha completa simpatia. Não que eu seja um crente de sua filosofia semi-pitagórica (sobre este assunto eu teria mais do que uma observação a lhe enviar, contanto que um veterano coberto de listras não desprezasse as observações de um recruta); não que eu me sinta vinculado a este autor por qualquer consideração especial por sua oposição à propriedade. Em minha opinião, M. Leroux poderia, e mesmo deveria, declarar sua posição de maneira mais explícita e lógica. Mas eu gosto, eu admiro, no M. Leroux, o antagonista de nossos semideuses filosóficos, o demolidor de reputações usurpadas, o crítico impiedoso de tudo que é respeitado por causa de sua antiguidade. Esta é a razão para minha alta estima do M. Leroux; este seria o princípio da única associação literária que, neste século de círculos sociais, eu me importaria em formar. Precisamos de homens que, como o M. Leroux, coloquem em questão os princípios sociais, - não para difundir dúvida em relação a eles, mas para torná-los duplamente certos; homens que excitam a mente através de negações audazes e fazem a consciência tremer através de doutrinas de aniquilação. - Carta ao M. Blanqui sobre a Propriedade

E Proudhon sem dúvida, apesar de algumas negações, incorporou sim um bom tanto do pensamento básico de Fourier e Leroux em sua própria obra. A Criação da Ordem na Humanidade é uma fascinante reformulação do material da Teoria dos Quatro Movimentos, mas não há dúvida de onde os elementos retrabalhados se originaram, assim como não há muita dúvida de onde a ênfase na análise serial, a oposição ao simplismo, etc vêm. Os empréstimos de Pierre Leroux mais provavelmente escapam a muitos leitores, mas principalmente porque a obra de Leroux agora é quase desconhecida. Sabemos que Proudhon sinceramente rejeitava os elementos mais "utópicos" de ambos os pensadores, mas a questão é se ele absorveu qualquer parte de sua fascinação compartilhada com a circulação natural e fluxos passionais.

A dificuldade é que, na maioria de seus escritos sobre a propriedade, Proudhon criticava leis e especulava sobre o desenvolvimento histórico. Quando ele estava falando sobre propriedade - e sobre seu polo oposto - ele evitava o tipo de discussão abstrata e geral que nos ajudaria a conectar ao tipo de teoria que encontramos em Fourier e Leroux. Mas se olharmos para seus escritos sobre liberdade, sobre progresso e sobre a Revolução, começamos a ver alguns padrões razoavelmente persistentes, nos quais o transitório e o estável são contrapostos. E aí nos deparamos com a discussão sobre propriedade e roubo em A Celebração do Domingo e talvez tenhamos nossa conexão ao exame da propriedade.

O que eu pretendo fazer é fazer muito desta definição de roubo que Proudhon propôs na Celebração: "desviar, reservar ou perverter". E talvez eu faça um pouco demais disso, de uma perspectiva estritamente proudhonológica. De uma maneira ou de outra, eu não consigo realmente fazer a defesa aqui. Estou recorrendo a muito material que está indisponível para a maioria dos meus leitores e, em alguma medida, simplesmente recorrendo às minhas intuições em desenvolvimento sobre o "quadro maior" no pensamento de Proudhon. O que eu posso fazer, contudo, é lembrar os céticos de que, para Proudhon, "o problema da propriedade [era], depois daquele do destino humano, o maior que a razão pode propor e o último que ela será capaz de resolver". Então, se acharmos, como parece que achamos, que era precisamente na esfera da propriedade que as ideias de Proudhon parecem ter demorado mais para se reunirem, se era nesta investigação que ele deixou linhas suspensas durante toda a extensão de sua carreira, talvez não devêssemos ficar surpresos - ponto no qual eu não acho que podemos ser criticados por aplicar os produtos razoavelmente consistentes de suas outras investigações a essa questão espinhosa.

Então...

E se a antinomia mais ampla na obra de Proudhon, a dinâmica que ligava suas várias análises mais focadas, fosse essencialmente um jogo dialético entre "perverter ou reservar" e "não perverter e reservar", com o primeiro sendo identificado com a "propriedade" e o outro com uma alternativa, ou série de alternativas, que permanece elusiva, mas que, como "comunidade", Proudhon logo no início associou com o "movimento espontâneo" da "sociabilidade"? E se arrastarmos essa antinomia para cima do tipo mais amplo de palco, tratando seus termos opostos como tendência abstratas a, por um lado, circulação e disseminação e, por outro, concentração e persistência? Esta oposição do fluído e do firme imediatamente traz à lembrança qualquer número de binários culturais familiares, muitos eles bem claramente com gêneros - e estaríamos nos enganando se pensássemos que vamos evitar algum trabalho exigente sobre a questão de gênero e propriedade antes de estarmos acabados com Proudhon. Ela poderia também trazer à lembrança as duas "dádivas" sobre as quais eu propus uma base para uma noção mutualista de auto-propriedade, no contexto da "economia da dádiva de propriedade". Para aqueles que se emaranharam com o tratamento de Proudhon sobre individualidades e coletividades como duas faces da organização serial, outros sinos podem soar. A noção da Revolução como tanto conservadora quanto progressista responde talvez a muito da mesma dinâmica guia? E a ideia de que o mutualismo é necessariamente um "anarquismo de aproximações"?

Esta é, em última análise, a intuição sobre a base da qual eu desenvolvi a análise neo-Proudhonia da propriedade que eu tenho proposto, no curso da qual eu tendi a mobilizar a interpretação mais intransigentemente associal do egoísmo de Stirner - entendido como uma filosofia para o único como "a única pessoa" - em conjunto e contra o sentido de um Pierre Leroux ou Joseph Dejacque de que estamos todos nisto juntos, inseparavelmente conectados em uma circulus universal. Estive contente em recorrer a esse qualificador, neo-, enquanto eu explorava o pensamento de Proudhon mais completamente, mas talvez eu tenha sido, na verdade, bastante ortodoxo em minhas próprias invenções.

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