sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Dívida- Os Primeiro 5000 Anos - Capítulo Um - Da Experiência da Confusão Moral


Capítulo Um

DA EXPERIÊNCIA DA CONFUSÃO MORAL


dívida
- substantivo 1 uma soma de dinheiro devido. 2 o estado de dever dinheiro. 3 um sentimento de gratidão por um favor ou serviço.
- Oxford English Dictionary

Se você deve ao banco cem mil dólares, o banco é seu dono. Se você deve ao banco cem milhões de dólares, você é dono do banco.
- Provérbio Americano

Dois anos atrás, por uma série de estranhas coincidências, eu me encontrei participando de uma festa no jardim na Abadia de Westminster. Eu estava um pouco desconfortável. Não é que os outros convidados não fossem agradáveis e amigáveis, e o Padre Graeme, que havia organizado a festa, não era nada se não um gracioso e charmoso anfitrião. Mas eu me sentia mais do que um pouco deslocado. Em um certo ponto, o Padre Graeme interveio, dizendo que havia alguém ao lado de uma fonte próxima com quem eu certamente gostaria de me encontrar. Ela acabou por ser uma jovem elegante e bem-provida que, ele explicou, era uma advogada - "mas mais do tipo ativista. Ela trabalha para uma fundação que fornece apoio legal para grupos anti-pobreza em Londres. Vocês provavelmente terão muito sobre o que conversar".
Conversamos. Ela me contou sobre seu trabalho. Eu lhe contei que estive envolvido por muitos anos com o movimento de justiça global - "movimento antiglobalização", como é normalmente chamado na mídia. Ela estava curiosa: ela havia, claro, lido muito sobre Seattle, Genova, o gás lacrimogêneo e batalhas de rua, mas... bem, havíamos realmente realizado qualquer coisa com tudo isso?
- Na verdade - disse eu - eu acho meio que impressionante o quanto conseguimos realizar naqueles primeiros dois anos.
- Por exemplo?
- Bem, por exemplo, conseguimos quase completamente destruir o FMI.
Ocorreu que ela não sabia na verdade o que era o FMI, então eu propus que o Fundo Monetário Internacional basicamente agia como os executores da dívida do mundo - "Você poderia dizer o equivalente nas altas finanças dos caras que vêm quebrar suas pernas". Eu me lancei em precedentes históricos, explicando como, durante a crise do petróleo dos anos 70, os países da OPEC acabaram despejando tanto de suas riquezas recém-descobertas nos bancos Ocidentais que os bancos não conseguiam decidir onde investir o dinheiro; como o Citibank e o Chase, portanto, começaram a enviar agentes ao redor do mundo tentando convencer ditadores e políticos do Terceiro Mundo a fazer empréstimos (na época, isso foi chamado de "go-go banking"); como eles começaram com taxas de juros extremamente baixas que quase imediatamente dispararam para mais ou menos 20 por cento devido a rígidas políticas monetárias dos EUA no começo dos anos 80; como, durante os anos 80 e 90, isto levou à crise da dívida do Terceiro Mundo; como o FMI então interveio para insistir que, a fim de obter refinanciamento, os países pobres seriam obrigados a abandonar suportes de preços sobre itens alimentícios básicos, ou mesmo políticas para manter reservas estratégicas de comida, e abandonar educação e saúde gratuitas; como tudo isso levou ao colapso de todos os suportes mais básicos para algumas das pessoas mais pobres e mais vulneráveis na terra. Eu falei de pobreza, da pilhagem dos recursos públicos, do colapso de sociedades, violência endêmica, subnutrição, desesperança e vidas destruídas.
- Mas qual era a sua posição? - Perguntou a advogada.
- Sobre o FMI? Queríamos aboli-lo.
- Não, eu quero dizer, sobre a dívida do Terceiro Mundo.
- Ah, queríamos abolir isso também. A exigência imediata era impedir o FMI de impor políticas de ajuste estrutural, que estavam causando todo o dano direto, mas conseguimos realizar isso surpreendentemente rápido. A meta de mais longo prazo era anistia da dívida. Algo nas linhas do Jubileu bíblico. Até onde estávamos preocupados - eu lhe disse - trinta anos de dinheiro fluindo dos países mais pobres para os mais ricos era o bastante.
- Mas - ela objetou, como se isso fosse auto-evidente - eles emprestaram o dinheiro! Certamente uma pessoa tem que pagar suas dívidas.
Foi neste ponto que eu percebi que esta seria um tipo de conversa muito diferente do que eu havia originalmente antecipado.
Onde começar? Eu poderia ter começado explicando como esses empréstimos haviam originalmente sido tomados por ditadores não eleitos que colocaram a maior parte deles diretamente em suas contas em bancos na Suíça, e pedir que ela contemplasse a justiça de insistir que os credores sejam pagos, não pelo ditador, nem mesmo por seus compadres, mas literalmente tirando comida das bocas de crianças famintas. Ou que pensasse sobre quantos desses países pobres já haviam, na verdade, pago o que tomaram emprestado três ou quatro vezes agora, mas que, através do milagre do juro composto, ainda não tinham feito uma redução significativa no principal. Eu poderia também observar que havia uma diferença entre refinanciar empréstimos e exigir que, a fim de obter um refinanciamento, os países tenham que seguir alguma política econômica de livre mercado desenvolvida em Washington ou em Zurique, com a qual seus cidadãos nunca concordaram e nunca concordariam, e que era um pouco desonesto insistir que, não importa quem tenha sido eleito, eles não têm controle sobre as políticas de seu país de qualquer maneira. Ou que as políticas econômicas impostas pelo FMI nem mesmo funcionam. Mas havia um problema mais básico: a própria suposição de que dívidas têm que ser pagas.
Na verdade, a coisa notável sobre a frase "uma pessoa tem que pagar suas dívidas" é que mesmo de acordo com a teoria econômica padrão, ela não é verdadeira. Um credor deve aceitar um certo grau de risco. Se todos os empréstimos, não importa o quão idiotas, ainda fossem recuperáveis - se não houvesse leis de falência, por exemplo - os resultados seriam desastrosos. Que razão os credores teriam para não fazer um empréstimo estúpido?
- Bem, eu sei que soa como senso comum - eu disse - mas a coisa engraçada é que, economicamente, não é assim que os empréstimos deveriam funcionar, na verdade. Instituições financeiras deveriam ser maneiras de dirigir recursos em direção a investimentos lucrativos. Se um banco tivesse garantia de receber seu dinheiro de volta, mais juros, não importa o que ele fizesse, todo o sistema deixaria de funcionar. Digamos que eu entrasse na agência mais próxima do Royal Bank of Scotland e dissesse 'Sabe, eu acabei de receber uma dica muito boa sobre cavalos. Cê acha que consegue me emprestar uns dois milhões de libras?' Obviamente eles simplesmente ririam de mim. Mas isso é apenas porque eles sabem que se meu cavalo não chegasse em primeiro, não haveria qualquer maneira para eles conseguirem o dinheiro de volta. Mas, imagine que houvesse alguma lei que dissesse que eles teriam garantia de conseguir seu dinheiro de volta, não importa o que acontecesse, mesmo que isso significasse, sei lá, vender minha filha à escravidão ou retirar meus órgãos ou algo do tipo. Bem, nesse caso, por que não? Por que se preocupar em esperar entrar alguém que tenha um plano viável para abrir uma lavanderia ou algo assim? Basicamente, essa é a situação que o FMI criou em um nível global - que é como você pode ter todos esses bancos dispostos a desembolsar bilhões de dólares para um bando de óbvios bandidos em primeiro lugar.