domingo, 20 de setembro de 2015

Radiante e Ensolarado

Radiante e Ensolarado
por Uriel Alexis


Em todas as coisas da natureza existe algo de maravilhoso.
- Aristóteles, Das partes dos animais


Devemos ser otimistas. Se não por nada, pelo menos porque já o somos a todo momento, dado que estamos vivas. As únicas verdadeiras pessimistas estão mortas. Viver é a todo momento escolher e ter esperança de que estamos certas, acreditando que nossas ações darão certo. Por certo, ter esperança não é ficar à espera. Esperança é ação: nós definimos uma ação, por um salto de fé, e a levamos a cabo, por um salto de esperança. Manter, de outra maneira, a crença de que as coisas não irão como esperado, ser uma pessimista, é cair em contradição: como pode você ainda estar viva e agindo então? Mantê-la por um longo tempo é assumir a postura de um zumbi: um verdadeiro vivo morto, dado a vagar pelo mundo na esperança de um evento para dizer: eu disse a todas vocês!


Mas eu não quero fazer esse ponto um tanto metafísico, sobre por que o otimismo é bom. Eu quero, antes, fazer um ponto um tanto mais aparentemente difícil: de que temos boas razões para sermos otimistas no século XXI.


Podemos começar um nada pequeno milagre: o declínio constante da pobreza material por todo o mundo. Os meios técnicos em nossa sociedade não foram tão abundantes em relação às necessidades percebidas desde os dias do paleolítico, e todas as pessoas - sim, eu realmente estou falando de todos os seres humanos na terra - provavelmente estarão, se a atual tendência for mantida, acima da linha da pobreza até o fim deste século.


Depois, provavelmente a coisa atualmente mais óbvia, agora podemos nos comunicar de forma mais rápida e mais ampla do que nunca. Somos capazes de nos manter em contato com literalmente milhares de pessoas por dia, e frequentemente o fazemos. Nesta revolução em rede da interação social, assoma a oportunidade crescente de empatia, de encontrar pessoas que lhe entendem e do entendimento de novas pessoas enquanto uma necessidade para a sobrevivência contínua. Nunca fomos tão próximas e calorosas em uma escala tão global. Agora nos importamos, não apenas com nossa família e amigas locais, mas com toda uma série de amigas muito distantes (que, por sua vez, se importam elas próprias com toda uma rede de pessoas) e com completas estranhas. Temos simpatia para com as chinesas exploradas em fábricas de suor de uma forma que Adam Smith jamais poderia ter sonhado. Ficamos repugnantemente chocadas com tentativas de dominação e demonstrações de violência, como se as vítimas fossem nossas conhecidas próximas (bem, dado tempo o suficiente, de fato elas poderiam ter sido suas amigas no Facebook).


Além disso, agora entramos em contato com uma quantidade gigantesca de opiniões diferentes sobre basicamente qualquer assunto, todos os tipos de tons de cor e matizes, todos os tipos de dietas, música, arte, filmes, filosofias, valores, linguagens, culturas, conhecimento e assim por diante. O diferente, o outro está cada vez mais presente em nossas vidas diárias, incitando mudanças em nossos hábitos e ações cotidianas - ou, para colocar melhor, em nossa estrutura social. A diferença é um valor, algo a ser preservado? Eu lhes digo que é o único caminho para a liberdade. A diferença é incerteza. É o desconhecido, o pouco familiar, o imprevisível, lhe olhando na face, vestido de preto - "o que está por trás deste semblante esquisito? como responderei?". E a incerteza é liberdade. O mero ato da escolha - a própria constituição da liberdade como tal - está fundamentalmente enraizado em não sermos capazes de predizer as consequências com certeza - se soubéssemos com certeza de onde nossas escolhas vieram e para onde estão indo, não haveria experiência de escolha. Então, se a liberdade é um valor, assim o é a diferença.


A principal preocupação na era da informação, me parece, tem sido se nós realmente conseguimos passar por uma onda tão grande informação. Parecemos estar indo muito bem. Nossas redes filtram o fluxo de informação para nós, a velocidade incessante e a ampla conectividade certificam-se de que não fiquemos presos em bolhas a menos que de fato batalhemos duro por isso (caso no qual, qual é o problema?). Voltaire estava errado sobre esta, a multidão de livros (eletrônicos) (e blogs, e notícias, e posts, etc) nos deixou mais espertas, não mais ignorantes.


Até aqui o futuro parece brilhante para nossa era: diferença, empatia e liberdade. Mas vamos nos sujar, vamos entrar na política. Embora aqui também parece que temos perspectivas realmente boas. A organização em rede permitiu maneiras completamente diferentes para se pensar e fazer política que, embora tenham sido imaginadas antes (principalmente por anarquistas individualistas), não tinham qualquer substrato material ao qual se agarrar. Criptomoedas, impressoras 3D, contratos inteligentes, administração enxuta, a própria Internet, todas permitem e de fato quase exigem arranjos horizontais e cooperativos, descartando a hierarquia como ineficiente, irracional e desorganizada. Anarquia é ordem, disse Bellegarrigue há mais de 150 anos. Agora soa como uma profecia. A revolução estigmérgica, como tem sido chamada, fornece os meios através dos quais podemos vislumbrar a ordem social de diferença pacífica, igualdade social, liberdade individual e ajuda mútua tão proclamada pelas anarquistas ao longo dos séculos XIX e XX. Nesta tecnoutopia libertária, pessoas são corporações, em termos de empoderamento.


Há mais: podemos vislumbrar uma vida de movimento constante, conexão com a natureza, inovação imprevisível, amplo compartilhamento de informação, trabalho transformado em arte e relações humanas intensas. O surgimento e retorno de um etos de habilidade e engenho individual permitem uma vida semi-nômade, uma dieta embasada em comida menos industrializada e mais saudável e uma produção sem destruição ambiental através de técnicas tais como a permacultura, a bioconstrução, a produção p2p e crypto-transações, como Kevin Carson e outros vem fazendo um grande esforço para transmitir.


A desescolarização da sociedade que Illich desejava está acontecendo agora cada vez mais rápido. A informação se espalha rapidamente através de nossas redes sociais e aprendemos cada vez mais guiadas por nossos próprios interesses do que através de currículos fornecidos por "mestres". Com esta liberdade vem a nudez da alma: esforços criativos, comumente incitados por sua pura diversão, contribuem para ainda mais mudanças. Conforme a realidade se acelera, somos propelidas em direção à realização de que o valor é a importância de nossas ações conforme reconhecidas por aquelas com que nos importamos (o que cada vez mais tende a "todo mundo").


Este quadro parece ótimo, pelo menos para aquelas de nós que não tenham medo de mudanças constantes e imprevisíveis. Para que eu não fique calado sobre o lado feio de tudo que há, vamos "cair na real" (ou melhor, vamos tentar olhar isso através dos olhos da pessimista): é verdade que teremos lutas e violência e ódio, e talvez a noite parecerá muito mais escura justamente antes do amanhecer. Existem muitos conflitos em andamento no mundo (menos do que jamais houveram, no entanto), derramando sangue inocente e mandando para longe de casa milhões de pessoas. E, conforme nossas instituições modernas falhem sob o peso das crises que criaram, muitas disputas mais podem surgir. Eu não espero realmente efetuar uma mudança sem qualquer tipo de conflito, muito pelo contrário "é o choque de ideias que lança a luz". Como Katherine Gallagher, citada por Carson, coloca:


Para mim, trata-­se de esticar nossas redes do que é possível através de fronteiras, de descentralizar... "Nós" seremos transnacionais e distribuídos. Não seremos cercados por "eles", mas entrelaçados por entre suas estruturas antiquadas, impossíveis de sermos colocados em quarentena e liquidados. Eu não sou uma pacifista. Eu não sou mesmo contra a violência defensiva. Essa é uma questão separada para mim, de derrubada. Mas para simplificar demais, quando se tratar de violência, eu quero que seja a última resistência de uma ordem se desintegrando contra uma ordem emergente que já fez muito do trabalho duro da construção seus ideais/estruturas. Não revolucionários violentos, certos de que sua sociedade será viável, prontos para construi­-la, mas uma sociedade se defendendo contra mestres que não mais a governam. Construa a sociedade e a defenda, não avance com as armas e tente produzir a anarquia nos escombros. Eu acho que a tecnologia está cada vez mais colocando a possibilidade de resistência significativa e de independência trabalhista dentro do domínio de um futuro significativo. Muitos dos meios de nossa opressão estão agora mais suscetíveis a serem duplicados em uma escala humana (e muito da guerra de patentes parece visar impedir isso). E eu acho que deveríamos estar trabalhando em como planejamos criar uma indústria paralela que não é mantida apenas por aqueles poucos. Cada vez mais os meios de manter essa indústria, guardada apenas para poucos, estão dentro do domínio da lei de patentes. Não é mais verdade que os poucos possuem o "torno", por assim dizer, tanto quanto que eles possuem a patente dele. Então nós realmente poderíamos conseguir mais criando uma produção alternativa real do que capturando essa alternativa já construída. Sim, haverá violência de proteção, mas não é tão verdade quanto o era no passado, de que há meios realmente necessários de produção nas mãos de poucos. O que eles controlam mais agora é o acesso aos métodos de produção e tentam impedir esses métodos de serem usados fora de sua supervisão. Novamente, eu não estou dizendo que os "últimos dias" do estado não serão marcados pela violência. Mas estou dizendo que agora temos opções táticas reais além de confrontá-los diretamente até que eles venham a nós.

Eu não quero parecer aqui que estou dizendo "tudo está bem, vamos sentar e relaxar e esperar" (bem talvez sentar e relaxar seja uma boa em alguns momentos). A esperança e o otimismo, como eu disse, implicam em ação. O que estou dizendo é que estamos perfeitamente dispostas e capazes de resolver nossos atuais problemas e os problemas que surgirão no futuro próximo de maneiras criativas, belas, pacíficas e voluntárias. Nossa revolução é uma revolução de paz, de mudança radical através de meios voluntários. De fato é uma revolução nas revoluções: a primeira vez que podemos realmente pensar em uma mudança massiva na estrutura social sem a necessidade de homens armados e altos chefes. O que estou falando é, antes, um chamado a ação: temos as ferramentas, temos o desejo, estamos em um caminho bom e promissor, vamos olhar adiante com esperança e otimismo e fazer o que acreditamos "pois o mundo fica mudo a cada alma que abdica". Após o amanhecer, estará tudo radiante e ensolarado.

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