quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Natureza do Estado

A Natureza do Estado
[Liberty, 22 de Outubro de 1887.]

Abaixo está reproduzida, extraída do Jus de Londres, a resposta de F. W. Read ao editorial no nº 104 da Liberty, entitulado "Contrato ou organismo, o que é para nós?".

Ao Editor do Jus:

Senhor, - Em relação às críticas do Sr. Tucker sobre as minhas cartas na Jus que lidam com a Tributação Voluntária, o princípio de um organismo de Estado parece estar no fundo da controvérsia. Eu lidarei, portanto, com isso primeiro, embora venha por último no artigo do Sr. Tucker. O Sr. Tucker questiona se o Estado ser um organismo o torna permanente e isento de dissolução. Certamente não; eu nunca disse que o faria. Mas o Sr. Tucker não pode ver que dissolver um organismo é algo diferente de dissolver uma coleção de átomos sem qualquer estrutura orgânica? Se as pessoas de um Estado tivessem sido jogadas juntas ontem ou anteontem, nenhum dano em particular viria de separá-las em numerosas secções independentes; mas quando um povo cresceu junto, geração após geração, e século após século, quebrar as adaptações e correlações que foram estabelecidas dificilmente pode ser gerador de quaisquer bons resultados. O tigre é um organismo, diz o Sr. Tucker, mas se baleado, ele rapidamente será desorganizado. Isso mesmo; mas ninguém supõe que os átomos do corpo do tigre derivam qualquer benefício do processo. Por que os átomos do corpo político deveriam derivar qualquer vantagem da dissolução do organismo do qual eles formam uma parte? Que o Sr. Tucker coloque o Estado no mesmo nível que igrejas e companhias de seguro é simplesmente espantoso. O Sr. Tucker realmente acha que cinco ou seis "Estados" poderiam existir lado a lado com a mesma conveniência que um número igual de igrejas? A dificuldade de determinar a qual "Estado" um indivíduo pertenceria seria praticamente insuperável. Como deve-se lidar com agressões e roubos? Um homem deveria ser julgado pelo "Estado" do qual ele é um cidadão, ou pelo "Estado" da parte ofendida? Se pelo seu próprio, como um policial desse "Estado" saberia se um certo indivíduo pertence a ele ou não? As dificuldades são tão enormes que o Estado seria logo reformado nas linhas antigas. Uma outra grande dificuldade seria que o Estado se encontraria impossibilitado de fazer um contrato. Se o Estado é considerado como uma mera coleção de indivíduos, quem emprestará dinheiro à segurança do Estado? A razão pela qual o Estado tem qualquer confiança das pessoas é porque ele é considerado como algo acima e além dos indivíduos que ocorrem de compô-lo em qualquer dado momento; porque sentimos que, enquanto indivíduos morrem, o Estado permanece, e que o Estado honrará os contratos do Estado, mesmo se feitos por propósitos que são desaprovados por aqueles que são os átomos do organismo do Estado. Eu tenho, de fato, ouvido dizer que seria uma coisa boa se o Estado realmente se encontrasse impossibilitado de empenhar seu crédito; mas o bom crédito parece tão útil para um Estado quanto para um indivíduo. Novamente, não é nenhuma vantagem para nós sermos capazes de fazer tratos com países estrangeiros? Mas que país fará um tratado com uma mera massa de indivíduos, uma grande porção dos quais ter-se-á ido no tempo de dez anos?

Mas afora a questão de organismo ou não organismo, a história não nos mostra um enfraquecimento contínuo do Estado em algumas direções, e um fortalecimento contínuo em outras direções? Encontramos um desaparecimento gradual do desejo de "fornecer invasão em vez de proteção" e, na medida em que o Estado deixe de fazê-lo, tão mais verdadeiramente forte ele de fato se torna, e tão mais vigorosamente ele de fato desempenha o que eu considero sua função última, - aquela de proteger alguns contra a agressão de outros.

Uma palavra em conclusão quanto à restrição de poder do Estado. Claro, por restrição eu quero dizer restrição legal. Por exemplo, você não poderia privar o Estado de seu poder de taxação passando uma lei neste sentido. Os autores do Ato de União entre a Grã-Bretanha e a Irlanda tentaram restringir o poder do Estado de desestabelecer a Igreja Irlandesa; mas a Igreja Irlandesa foi desestabelecida mesmo assim. O que os Individualistas estão tentando fazer é mostrar ao Estado que, quando ele regula fábricas e minas de carvão, e mil e uma outras coisas, ele está agindo contra seus interesses. Quando o Estado tiver aprendido a lição, a intromissão cessará. Se o Sr. Tucker escolher chamar isso de restringir o Estado, ele pode fazê-lo; eu não.

Sinceramente, etc.

F W. Read

Em resposta a alegação do Sr. Read (que, se, com todas suas implicações, fosse verdadeira, seria uma resposta válida e final aos Anarquistas) de que "dissolver um organismo é algo diferente de dissolver uma coleção de átomos sem qualquer estrutura orgânica", eu não posso fazer melhor do que citar a seguinte passagem de um artigo de J. Wm Lloyd no nº 107 da Liberty:

Parece-me que este universo não é nada além de um vasto agregado de indivíduos; de indivíduos simples e primários, e de indivíduos complexos, secundários, terciários, etc. formados pelo agregamento de indivíduos primários ou de indivíduos de um grau menor de complexidade. Alguns destes indivíduos de um alto grau de complexidade são indivíduos verdadeiros, concretos, de tal forma unidos que os organismos menores inclusos não podem existir separados do organismo principal; ao passo que outros são imperfeitos, discretos, os organismos inclusos existindo razoavelmente bem, tão bem, ou melhor separados do que unidos. Na primeira classe estão inclusas muitas das formas mais altas da vida vegetal e animal, incluindo o homem, e na última estão inclusas muitas das formas mais baixas de vida vegetal e animal (capim, tênias, etc.), e a maioria dos organismos societários, governos, nações, igrejas, exércitos, etc.

Assumindo essa visão incontestável da questão, se torna claro que a alegação do Sr. Read sobre "dissolver um organismo" é inverídica enquanto a palavra organismo permanecer sem ser qualificada por algum adjetivo equivalente ao concreto do Sr. Lloyd. A questão, então, é se o Estado é um organismo concreto. Os Anarquistas alegam que não é. Se o Sr. Read acha que é, o onus probandi está sobre ele. Eu julgo que seu erro surge de uma confusão do Estado com a sociedade. Que a sociedade é um organismo concreto os Anarquistas não negam; pelo contrário, eles insistem nisso. Consequentemente, eles não têm qualquer intenção ou desejo de aboli-la. Eles sabem que sua vida é inseparável da vida dos indivíduos; que é impossível destruir uma sem destruir a outra. Mas, embora a sociedade não possa ser destruída, ela pode ser grandemente dificultada e impedida em suas operações, muito para a desvantagem dos indivíduos que a compõem, e encontra seu principal impedimento no Estado. O Estado, ao contrário da sociedade, é um organismo discreto. Se ele fosse destruído amanhã, os indivíduos ainda continuariam a existir. A produção, a troca, e a associação continuariam como antes, mas muito mais livremente, e todas aquelas funções sociais das quais o indivíduo é dependente operariam em seu nome de forma mais útil do que nunca. O indivíduo não está relacionado ao Estado como a pata do tigre está relacionada ao tigre. Mate o tigre, e a pata do tigre não mais desempenha sua função; mate o Estado, e o indivíduo ainda vive e satisfaz seus desejos. Quanto à sociedade, os Anarquistas não a matariam se pudessem, e não poderiam se quisessem.

O Sr. Read acha espantoso que eu "coloque o Estado no mesmo nível de igrejas ou companhia de seguro". Eu acho seu espanto divertido. Crentes de sistemas religiosos compulsórios ficaram espantados quando primeiro se propôs colocar a igreja no mesmo nível de outras associações. Agora, o único espanto é - pelo menos nos Estados Unidos - que se permita que a igreja fique em quaquer outro nível. Mas a superstição política substituiu a superstição religiosa, e o Sr. Read está sob sua influência.

Eu não acho que "cinco ou seis 'Estados' poderiam existir lado a lado com" exatamente "a mesma conveniência que um número igual de igrejas". Nas relações com as quais os Estados têm a ver há mais chance de fricção do que simplesmente na esfera religiosa. Mas, por outro lado, a fricção resultante de uma multiplicidade de Estados não seria nada além de um montículo comparado com a montanha de opressão e injustiça que é gradualmente amontoada por um único Estado compulsório. Não seria necessário que um policial de um "Estado" voluntário soubesse a qual "Estado" um dado indivíduo pertenceria, ou se ele pertenceria a qualquer um. "Estados" voluntários poderiam, e provavelmente iriam, autorizar seus agentes a proceder contra invasão, não importa quem o invasor ou invadido pudessem ser. O Sr. Read provavelmente objetará que o "Estado" ao qual o invasor pertencesse poderia considerar sua prisão como, ela mesma, uma invasão, e proceder contra o "Estado" que o prendeu. A antecipação de tais conflitos provavelmente resultaria exatamente naqueles tratados entre "Estados" que o Sr Read vê como tão desejáveis, e mesmo no estabelecimento de tribunais federais, como cortes de último recurso, através da cooperação dos vários "Estados", e sobre o mesmo princípio voluntário de acordo com o qual os próprios "Estados" foram organizados.

A tributação voluntária, longe de prejudicar o crédito do "Estado", o fortaleceria. Em primeiro lugar, a simplificação de suas funções reduziria grandemente, e talvez aboliria completamente, sua necessidade de tomar emprestado, e o poder de tomar emprestado é geralmente inversamente proporcional à constância da necessidade. É usualmente o tomador de empréstimos inveterado que carece de crédito. Em segundo lugar, o poder do Estado de repudiar, e ainda continuar seu negócio, é dependente de seu poder de tributação compulsória. Ele sabe que, quando não pode mais tomar emprestado, ele pode, pelo menos, tributar seus cidadãos ao limite da revolução. Em terceiro lugar, o Estado tem confiança, não porque está acima e além dos indivíduos, mas porque o emprestador presume que ele deseja manter seu crédito e irá, portanto, pagar suas dívidas. Este desejo por crédito será mais forte em um "Estado" sustentado pela tributação voluntária do que no Estado que força a tributação.

Todas as objeções apresentadas pelo Sr. Read (exceto o argumento do organismo) são meras dificuldades de detalhes administrativos, a serem superadas com engenhosidade, paciência, discrição e expedientes. Elas não são dificuldades lógicas, nem dificuldades de princípio. Elas parecem "enormes" para ele; mas assim pareciam as dificuldade da liberdade pensamento dois séculos atrás. O que ele acha das dificuldades do regime existente? Aparentemente ele é tão cego a elas quanto o Católico Romano para a dificuldade de uma religião do Estado. Todas estas "enormes" dificuldades que surgem na fantasia dos objetores do princípio voluntário desaparecerão sob a influência das mudanças econômicas e da prosperidade bem distribuída que se seguirá à adoção desse princípio. Isto é o que Proudhon chama de "a dissolução do governo no organismo econômico". É um assunto vasto demais para consideração aqui, mas, se o Sr. Read deseja entender a teoria Anarquista do processo, que ele estude esse mais maravilhoso de todos os maravilhosos livros de Proudhon, o "Idée Générale de la Révolution au Dix-Neuvième Siècle".

É verdade que "a história (...) nos mostra um enfraquecimento contínuo do Estado em algumas direções, e um fortalecimento contínuo em outras direções". Pelo menos, tal é a tendência, falando de modo geral, embora esta continuidade às vezes seja quebrada por períodos de reação. Esta tendência é simplesmente o progresso da evolução em direção a Anarquia. O Estado invade cada vez menos, e protege cada vez mais. É exatamente na linha deste processo, e no fim dele, que os Anarquistas demandam o abandono da última citadela de invasão através da substituição da tributação compulsória pela voluntária. Quando este passo for tomado, o "Estado" atingirá sua força máxima como um protetor contra a agressão, e mante-la-á enquanto seus serviços forem necessários para isso.

Se o Sr. Read, ao dizer que o poder do Estado não pode ser restringido, quiser dizer simplesmente que ele não pode ser legalmente restringido, sua observação não tem qualquer aptidão como uma resposta aos Anarquistas e aos tributaristas voluntários. Eles não propõem restringi-lo legalmente. Eles propõem criar um sentimento público que tornará impossível que o Estado recolha impostos através da força ou de qualquer outra maneira invada o indivíduo. Considerando o Estado como um instrumento de agressão, eles não esperam convencê-lo que a agressão é contra seus interesses, mas eles de fato esperam convencer indivíduos de que é contra seus interesses serem invadidos. Se, através destes meios, ele forem bem sucedidos em despojar o Estado de seus poderes invasivos, eles estarão satisfeitos, e é irrelevante para eles se os meios são descritos pela palavra "restringir" ou por alguma outra palavra. Na verdade, eu me empenhei nesta discussão em me acomodar à fraseologia do Sr. Read. De minha parte, não acho apropriado chamar associações voluntárias de Estados, mas, colocando a palavra entre aspas, eu assim a usei porque o Sr. Read estabeleceu o exemplo.

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